Certamente você já ouviu falar nas dark kitchens, estabelecimentos de serviço de alimentação que oferecem apenas comida para viagem e que são chamados, popularmente, de “cozinhas fantasmas”. Elas já eram tendência no Brasil, mas cresceram ainda mais após o início da pandemia e têm conquistado cada vez mais notoriedade com o aumento de pedidos via delivery. Segundo dados do Instituto Foodservice Brasil (IFB), 51% dos consumidores faziam as refeições dentro do estabelecimento e 49%, fora. Hoje, mesmo com a reabertura de bares e restaurantes, 85% comem fora do restaurante e apenas 15%, dentro.
Esse tipo de estabelecimento tornou-se atraente para os empreendedores porque requer um investimento muito menor do que o necessário para abrir um restaurante tradicional. O empreendedor só precisa de uma cozinha, um cozinheiro, um produto e um contrato com um aplicativo de entrega para iniciar o negócio. Segundo dados da Euromonitor International, as dark kitchens podem gerar um mercado de cerca de R$ 5 trilhões até 2030 no mundo.
Em depoimento para o portal Mercado&Consumo, a consultora Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice, afirma que a pandemia acelerou essa tendência. “Os próprios restaurantes se tornaram dark kitchens na quarentena”, diz. Ela ressalta que fatores como a queda no custo da mão de obra, ocupação e localização menos nobres seguirão impulsionado a adoção desse modelo.
“Temos no Brasil a penetração da alimentação fora do lar de 28% quando comparada a outros países da Europa e até Estados Unidos, com um percentual de penetração na faixa de 42% a 50%. Ou seja, temos uma oportunidade muito grande para as pessoas continuarem consumindo fora de casa por aqui”, revela a executiva.
Cristina chama atenção ainda para um papel importante a ser desempenhado pelas empresas de dark kitchens. “Não basta fornecer a infraestrutura, elas têm que ajudar os restaurantes a reduzirem todos os entraves do delivery, considerado um dos gargalos para o setor.”
Aposta de franquias consolidadas
Grandes redes de franquias se renderam ao novo conceito, inclusive mirando o aumento dos seus faturamentos e do número de unidades franqueadas. A Divino Fogão, rede de comida típica da fazenda, firmou uma parceria com a Guersola Consultoria para implementar um projeto diferenciado de dark kitchen. O objetivo é atrair empresas com experiência em alimentação, como lanchonetes, hotéis, buffets e restaurantes, que têm interesse em operar com alguns itens da marca. A ideia é que o tempo ocioso dessas cozinhas seja aproveitado para produzir pratos do Divino Fogão.
“Na visão da rede, essa é uma tendência de mercado que veio para ficar, impulsionada pelo isolamento social e aumento de gastos com delivery. Para empresas consolidadas no modelo de atendimento tradicional, como o Divino Fogão, as dark kitchens são uma maneira de ampliar a atuação e reduzir custos, além de ajudar os parceiros com um ganho extra”, afirma o presidente da marca, Reinaldo Varela.
A rede investe em capacitação do licenciado e oferece suporte administrativo, além de treinamentos e validações de processos para que a comida saia com o mesmo sabor das unidades em operação em diferentes Estados brasileiros. “É uma oportunidade para que o proprietário de um estabelecimento ganhe mais com a estrutura existente, além de atuar com uma marca que é considerada uma das melhores das praças de alimentação do País”, enfatiza Varela.
O investimento inicial para a abertura de uma unidade da marca em um shopping center é de R$ 700 mil, sem considerar a reforma do ponto. Já no projeto de dark kitchen, como o modelo prevê a utilização da área existente, o investimento por parte do parceiro, que se tornará um licenciado da marca, será de aproximadamente R$ 8 mil, com insumos e embalagens personalizadas da marca. “A expectativa é chegar a 600 cozinhas parceiras até o final de 2021”, afirma Varela.
Redução expressiva de custos
Outra rede que passa a apostar na sua expansão com base nas dark kitchens é a L’Entrecôte de Paris. Lançada em junho, a nova franquia já tem oito unidades e plano de chegar a 80 em três anos. A cozinha entrega o cardápio único do restaurante: bife com fritas. Antes da pandemia, a empresa operava apenas com seus restaurantes convencionais, que exigem um aporte inicial de cerca de R$ 1 milhão. Com o novo modelo, o investimento inicial fica entre R$ 100 mil e R$ 150 mil.
Desenvolvido, testado e aprimorado a partir de uma operação própria de dark kitchen em São Paulo, o formato de negócio tem custos operacionais reduzidos. Enquanto o aluguel de uma loja tradicional em shopping chega a custar R$ 60 mil mensais, a locação de um espaço para a cozinha, apenas de entregas, fica em torno de R$ 3 mil.
E, mesmo com os custos específicos dos sistemas de entregas, o retorno financeiro da operação acaba sendo atrativo para o investidor. “Entendemos que o delivery não deve ser tratado como um adicional. Ele é um modelo de negócio à parte, que merece atenção. Todas as marcas que conseguiram ter essa mentalidade têm sucesso”, afirma, em nota, o gerente-geral do L’Entrecôte de Paris, Rodrigo Diotto.
A força do delivery fez a Boali, rede de alimentação saudável, abrir seis operações neste modelo, inclusive durante a pandemia. A primeira foi em 2017, na capital de São Paulo, mas segundo Rodrigo Barros, CEO da franquia, foi em meio à pandemia que a oportunidade de investimento se tornou mais atraente – principalmente em áreas inexploradas. Hoje a Boali está presente, além de São Paulo, em Brasília, Indaiatuba, Limeira, Londrina e Balneário Camboriú.
“Estamos investindo na expansão da marca no interior dos Estados porque acreditamos que haverá um movimento de interiorização dos profissionais nos próximos anos. Além disso, muitas empresas perceberam que o home office funciona e devem manter o sistema no pós-pandemia, movimento que estimula o delivery”, afirma o empresário. Barros diz que o crescimento do delivery na sua rede cresceu 35% durante a pandemia. “Em algumas lojas, o serviço mais do que dobrou.”
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